quarta-feira, 5 de novembro de 2008

À Espera do Expresso Oriente

Logo estarei dobrando a esquina da vida e ainda não conheci a China. Desde os vinte e poucos que me prometo essa aventura à terra dos criadores do macarrão e do I Ching, sem jamais ter satisfeito o compromisso. Até hoje, o máximo que cheguei perto, se é que se pode chamar a isso de "perto", foi uma ida à Europa, quando conheci apenas Paris muito rapidamente, pois tinha compromisso em Nova Iorque dois dias depois. Porém, ainda não perdi a esperança de um dia sair mundo afora vendo o que ainda não vi e experimentado novas sensações, da mesma forma como, durante a juventude, arrisquei a vida ao pendurar-me, segurando firmemente uma pesada filmadora, num galho que se projetava sobre os 600 metros de fundura do cânion do Itaimbezinho. Ou quando presenciei o pôr-do-sol extraordinário da confluência do Rio das Velhas com o São Francisco.



O sonho do meu compadre Augusto sempre foi o de chegar à Índia, a mística terra das mulheres de véus e pearcing no nariz. — Aprecio o pearcing nas mulheres de lá, todavia não me acostumo com os adornos metálicos enfeitando as narinas daqui. Não digo que fique tão esquisito quanto um russo das estepes usando vestimenta de cangaceiro. No entanto, sempre cismo que alguma coisa não combina. — Mas Augusto desembarcou em Nova Delhi louco para curtir um mundo novo. Só que foi obrigado a cumprir quarentena no hospital do aeroporto, posto que tinha desembarcado antes de cumprir o prazo previsto para validar a vacina que havia tomado aqui. Teve de aguardar sete dias hospedado numa enfermaria malcuidada, comendo o pão que algum deus hindu, decerto equivalente ao nosso diabo, amassou. O prazo venceu num domingo à noite. Augusto César Pinho Pinheiro apresentou-se imediatamente à portaria de malas prontas. O porteiro indiano, sem sequer se desentreter da leitura de um jornal, informou que só na segunda estaria presente o funcionário que poderia desenjaulá-lo. O compadre virou bicho, exibiu o papel contendo a data do fim da quarentena, brandiu o passaporte, ameaçou chamar a embaixada, exigiu um advogado. Tanto aprontou que enfim tirou o sujeito da atitude displicente e o compeliu a pegar o telefone e falar com algum superior. Conseguiu sair.


A viagem, porém já estava comprometida. Depois de tantos dias curtindo um ambiente infecto em vez do luxuoso hotel que havia reservado, e de haver curtido um obrigatório frango ao molho de um curry malcheiroso com arroz empapado, servido todos os dias, em lugar dos previstas iguarias da apurada gastronomia indiana - quiçá servido num belo restaurante e servido por morenas de pearcing — estava louco para dar o fora. Não só do hospital como do próprio país. Até hoje, muitos anos depois da malfadada aventura, ainda não consegue recordar a Índia com prazer. É um raro exemplo de quem conheceu a terra dos sonhos em meio a um pesadelo.


No entanto, não será por causa de histórias como esta que deixarei de prometer a mim mesmo que viajarei a ver as terras com que sonho. Apesar de que, brasileiro que sou, possuo a tendência de deixar tudo para a última hora. Sendo assim, tenho de me decidir antes que o propalado fim do mundo seja concretizado. Do contrário, vai ser difícil achar passagem com tanta gente tentando realizar tardiamente, e ao mesmo tempo, a viagem de suas vidas. E vou acabar restando por aqui mesmo, sonhando sonhos previamente desfeitos, enquanto o sol desaba na China e a lua despenca do céu, arrasando os jardins do Taj Mahal.
Guttemberg Guarabyra - Novembro, 2008

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