sexta-feira, 10 de julho de 2009

De volta à estrada - matéria do Estado de Minas



Sá & Guarabyra retomam o trabalho da dupla depois da morte de Zé Rodrix. Luiz Carlos Sá, hoje morador de Belo Horizonte, faz balanço da contribuição do trio para a música brasileira
Ailton Magioli


foto: Beto Magalhães


Luiz Carlos Sá, na Praça Nova York, no Bairro Sion, lugar que escolheu para morar e que, para ele, lembra Barcelona


A decisão, tomada em pleno velório do amigo e parceiro Zé Rodrix, morto de infarto do miocárdio, em 21 de maio, aos 61 anos, foi imediata. "Quando todos se mostravam preocupados com o choque e abatimento que havíamos sofrido, eu e o Gute (Guttemberg Guarabyra, também de 61 anos) descemos para conversar e chegamos à conclusão de que iríamos voltar com tudo. Afinal, seria desrespeito à memória do Zé e à própria carreira, que não tem vontade e perspectiva de encerrar", descreve Luiz Carlos Sá, de 63 anos, o terceiro personagem de um capítulo importante da música vocal brasileira, que teve início em 1971, no apartamento da Rua Alberto de Campos, 111, de Ipanema, no Rio, onde nasceu o trio Sá, Rodrix e Guarabyra.

Memória viva da música popular desde que transformou o denominado rock rural em verbete obrigatório do cancioneiro brasileiro, o trio, que durou 12 anos, em dois momentos, teve a carreira interrompida em 1974, com a saída de Zé Rodrix para seguir trajetória solo, voltando à estrada novamente em 2001, até sofrer “desagregação forçada”, como recorda Sá, com a morte repentina de Zé. Em meio a tudo, no entanto, há 26 anos sobrevive a dupla Sá & Guarabyra, que já fez cinco shows depois da morte do amigo e parceiro. A reação, de certa forma, foi rápida, como reconhece Luiz Carlos Sá, mas a emoção de cantar sem o amigo Zé Rodrix, depois de oito anos de retorno do trio, tem sido difícil de domar. “Os primeiros shows foram dramáticos, principalmente o que fizemos em Santo André (SP), onde montamos um power point com fotografias dele”, recorda Sá, contabilizando pelo menos 1,2 mil pessoas na apresentação, muitas das quais chorando a ausência de Zé.

“Não dá para escapar da emoção, às vezes é preciso exorcizá-la.” Sá explica que, embora a dupla tenha feito shows inclusive durante o período da retomada do trio, a convivência entre os três era intensa. "O Zé agregava algo que transformava a identidade da gente", diz, visivelmente emocionado, Luiz Carlos Sá. Para ele, o som do trio era muito mais pesado do que o da dupla. "A partir de agora, Sá & Guarabyra serão diferentes”, anuncia ele. Nos últimos tempos, de acordo com Sá, os contatos do trio – incluindo as composições – eram feitos mais via internet, principalmente por meio do skype, já que cada um morava em cidade diferente.

"Toda e qualquer decisão e conclusão, no entanto, eram tiradas juntos: o que fazer, o que não fazer”, ressalta Sá. Ele garante que não será a morte de Zé que vai tirá-lo do convívio deles. “A energia que o Zé deixou vai ficar para sempre conosco", afirma. Apesar de ele e o amigo Guarabyra ainda não terem voltado a compor, em breve vão retomar a parceria em dupla. "Depois do CD inédito do trio (Amanhã, com lançamento do selo Roupa Nova Music, a ser agendado ainda neste semestre), imediatamente vamos gravar o da dupla", antecipa Sá. Para ele, o público tem reagido com emoção redobrada nos shows. “Parece que querem empurrar a gente. É como se dissessem para a gente não desanimar, não parar.”


Nova casa

A escolha da Praça Nova York, do Bairro Sion, para o encontro com a reportagem, foi do próprio Luiz Carlos Sá, que, há três anos, trocou o Rio por Belo Horizonte. A duas quadras dali, ele e a mulher, Verlaine, curtem o filho mais novo do casal, que, curiosamente, tem a mesma idade da primeira neta do artista, de um ano e meio. Pai de mais quatro filhos de outros casamentos, Sá diz que os amigos se assustaram quando ele decidiu largar a cidade de origem. “Por que não?”, reagiu. “Tenho 50 anos de praia, além de adorar ser turista no Rio”, justificou em um dos poucos momentos de descontração. Como gosta de salientar, toda metrópole tem virtudes e defeitos, mas em Belo Horizonte ele encontrou paixões como a praça do Sion, que o remete ao Parque Güell, da Espanha, onde esteve ao lado da mulher, conferindo a beleza da arte de Antoni Gaudí. Os muros da praça belo-horizontina, decorados com cacos coloridos de cerâmica e vidro, remetem aos mosaicos de cores feitos pelo mestre espanhol, no famoso parque de Barcelona.


Raízes de um estilo

Foi a partir de uma brincadeira com Guarabyra, residente em São Paulo, que teria arrumado uma namorada em Ubatuba, que Zé Rodrix fez a letra da canção, de autoria do trio, que batiza o disco inédito de Sá, Rodrix & Guarabyra. “Amanhã, ela disse que ia chegar, amanhã/ Não chegou e avisou que só vinha na outra manhã/ Esperei, veio o sol, veio a tarde e depois/ Quando a noite chegou me deitei/ Não dormi, nem sonhei, esperei o amanhã”, dizem os versos, que deixaram a dupla assustada diante do aspecto premonitório da letra.

“O Zé gastou a pilha. Ele era um dínamo musical, vivia fazendo alguma coisa. Eu, às vezes, me cansava só de ficar do lado dele”, conta, sem culpa, Luiz Carlos Sá. Ele reconhece que o amigo puxava a dupla, que é meio paradona. “Extremamente musical, culto e polêmico, o Zé às vezes falava até o que não devia. Mas era o jeito dele. Nada dura tanto tempo por acaso. Alguma liga nos unia neste tempo”, acredita ele, salientando que, apesar de um estar sempre metendo o dedo no trabalho do outro (todos três faziam letra e música, simultaneamente), primou-se sempre pelo consenso. A volta do trio foi tão produtiva, revela Sá, que, além das 11 canções gravadas no disco, ficaram pelo menos mais 10 inéditas.

Oriundos de grupos históricos, Guarabyra (Manifesto) e Zé Rodrix (Momento 4, depois do Som Imaginário), ao lado de Sá, fizeram história ao criar uma marca no vocal brasileiro. “Não sei se o rock rural é uma marca ou estigma, já que às vezes as pessoas fazem uma mistura que não tem nada a ver com a gente”, detecta o artista. Conforme Sá, a ideia original foi juntar ritmos do interior brasileiro à influência urbano-roqueira dos três, que hoje encontra ecos em grupos como Vanguart e Roça Nova, de São Paulo. “Até pelas características, somos o primeiro trio, e depois dupla, não sertanejo de que se tem notícia”, conclui Luiz Carlos Sá.


DISCOGRAFIA

SÁ, RODRIX & GUARABYRA

Passado, presente, futuro, 1972
Terra, 1973
Sá, Rodrix & Guarabyra, 1983
O rock rural de Sá, Rodrix & Guarabyra, 1988
Portfólio, 1994
2 em 1 – Sá, Rodrix & Guarabyra, 1996
Outra vez na estrada – Ao vivo, 2001

SÁ & GUARABYRA

Nunca, 1974
Cadernos de viagem, 1975
Pirão de peixe com pimenta, 1977
Quatro, 1979
10 anos juntos – Ao vivo, 1983
O paraíso agora, 1984
Harmonia, 1985
Cartas, canções e palavras, 1987
15 anos juntos, 1988
Vamos por aí, 1990
Sucessos de Sá & Guarabyra, 1991
Sá & Guarabyra, 1993
O melhor de Sá & Guarabyra, 1994
Sá & Guarabyra – Série Aplauso, 1996
Rio-Bahia, 1997
O essencial de Sá & Guarabyra, 1999
Sá & Guarabyra e Orquestra Sinfônica Americana – Ao vivo, 1999
Sucessos em dobro – Sá & Guarabyra, 2000

(*) Inclui coletâneas e exclui trilhas
de novelas e solos de cada um, à exceção
de Luiz Carlos Sá, que não gravou
um disco sozinho.


Estado de Minas - dia 10/7/ 2009

Agradecimento à Maria Valéria Bethonico, pela colaboração!

Nenhum comentário: