quarta-feira, 18 de junho de 2008

Rock rural de Sá & Guarabyra constrói visão crítica do Brasil



Entrevista de Sá & Guarabyra para Felipe Boso Brida, publicada hoje no Jornal Notícia da Manhã, de Cantanduva.

Com 35 anos de carreira nas costas e muita poeira na estrada, a dupla Sá & Guarabyra procura mostrar, nas composições musicais, o Brasil real, suas origens e suas histórias, sejam elas descontraídas ou amargas. Responsáveis por um estilo próprio que revolucionou a música brasileira nos anos 70, o “rock rural”, os cantores e compositores Luís Carlos Pereira de Sá, nascido no Rio de Janeiro em 1945, e Guttemberg Nery Guarabyra (Barra do Rio Grande, BA, 1947) firmaram parceria em 1973, após seis anos cantando solo.


Em 1966, enquanto Sá alcançava o primeiro sucesso musical com “Giramundo”, interpretada por Peri Ribeiro, Guarabyra, no ano seguinte, vencia o primeiro lugar no Festival Internacional da Canção com “Margarida”.
Em 1970 conheceram o também compositor Zé Rodrix e montaram o trio Sá, Rodrix & Guarabyra. Gravaram dois LPs ao longo da carreira, que durou até 1973, quando Rodrix afastou-se para seguir sozinho na música. Sá continuou com Guarabyra e, definitivos, lançaram a dupla, responsável por sucessos musicais de telenovelas como “Roque Santeiro” e “Dona”, de “Roque Santeiro” (1985), e “Espanhola”, da novela “Que Rei Sou Eu?” (1989). São deles também “Mestre Jonas”, “Sete Marias” e “Harmonia”.

A dupla Sá & Guarabyra, que esteve em Catanduva na última quinta-feira, dia 12, com o show de abertura da Festa Junina do SESC, concedeu entrevista ao jornal Notícia da Manhã. No bate-papo, música regional, rock rural, denúncias em canções e Regime Militar. Confira abaixo:





NMO estilo musical de vocês resgata a identidade cultural do Brasil.
Como era mostrar o Brasil em música nos anos 70, na época das agitações do Regime Militar?

Sá & Guarabyra – Atravessamos os anos do Regime sem bater de frente com os militares, diferente de muitos colegas que persistiam e até foram exilados devido à “agressividade” nas canções. Não tínhamos o intuito de derrubar a ditadura. A gente fazia um serviço influenciando a mudança de comportamento, que também era algo que os militares reprimiam naquele tempo. Éramos mais suaves, fazíamos denúncia leve, por isso não enfrentamos grandes problemas. Nos anos 70 viajávamos muito e sempre tínhamos um olhar crítico em torno dos lugares mais periféricos do Brasil, algo que transpúnhamos nas músicas. Tivemos uma música censurada, “Pássaro”. Daí trocamos o título e, em outra cidade, a música passou e foi liberada. Talvez nossa maior denúncia tenha sido a represa de Sobradinho, na música que leva o mesmo nome.



NM Como retrataram Sobradinho na música com teor de denúncia?


Sá & Guarabyra – A represa de Sobradinho, localizada na Bahia, perto de Juazeiro, foi uma calamidade. Não há como imaginar um governo construir, escondido, um verdadeiro mar no interior do Brasil, seis vezes maior que o tamanho da Baía de Guanabara! Encontramos aquilo por acaso, numa de nossas andanças pelo sertão nos anos 70. Denunciamos o caso na música “Sobradinho”, um sucesso até hoje pedido nos show. Usamos um paralelo de Antônio Conselheiro (“o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão”) para dar rumo à história na música. Todos aqueles que tinham um pouco de caráter, bom senso e inteligência lutaram, de uma forma ou de outra, contra o Regime Militar. Nós – Sá e eu – fizemos nossa parte.







NM Surtiram efeitos as denúncias na música sobre Sobradinho?


Sá & Guarabyra – Sim, claro. “Sobradinho” coloca em xeque todo o sistema de propaganda do governo militar. Eles diziam que estavam apenas fazendo uma pequena obra! Quatro cidades foram alagadas, além de dezenas de vilarejos, para dar origem a um dos maiores lagos artificiais do mundo. O impacto ambiental foi monstruoso. A música fez com que as pessoas refletissem sobre as questões ambientais.




NM Nos anos 70, o “rock rural” introduzido por vocês trouxe uma modalidade diferenciada na música brasileira. De que forma era esse rock?


Sá & Guarabyra – Junto com o Zé Rodrix criamos esse estilo misturando balada pop com folk brasileiro e toadas. As letras remetiam ao nosso espaço, à natureza, de cunho poético e agitado. Marcamos geração, tanto é que depois outros cantores, inclusive da Jovem Guarda, seguiram os passos do rock rural.NM – Três músicas de vocês integraram a trilha sonora de uma das novelas brasileiras de maior audiência de todos os tempos, “Roque Santeiro”, em 1985. De onde veio a aceitação do público para gerar tamanho sucesso?Sá & Guarabyra – Todas as músicas da trilha da novela se tornaram famosas e históricas. Tínhamos três, todas elas sugeridas pelo autor, Dias Gomes, um grande e saudoso amigo. Um dia Gomes telefonou para nós orientando as composições; fizemos “Roque Santeiro”, tema central do personagem-título interpretado por José Wilker, “Verdades e Mentiras”, que faz um apanhado da novela, das mentiras e crenças, e “Dona”, música que já existia, composição minha e do Sá, mas que caía feito uma luva na personagem da viúva Porcina (Regina Duarte). Esta foi cantada por Roupa Nova na novela. Acredito que as músicas tiveram boa aceitação pelo público umas por serem descontraídas e bem brasileiras e outra por ser romântica.





NM A dupla segue com novos projetos?


Sá & Guarabyra – Desde 2001 percorremos o Brasil com shows em que Zé Rodrix também participa. Neste semana faremos o último ensaio para gravar 14 músicas novas para o novo CD, que deverá ser lançado na última semana de agosto. E daí é viajar, viajar, viajar, algo que nunca deixamos de fazer. Somos eternos viajantes.

Nenhum comentário: