terça-feira, 14 de agosto de 2012
terça-feira, 9 de novembro de 2010
PRÊMIO TOP BLOG
SAMBA PEDE PASSAGEM - Luiz Carlos Sá
Há exatos quarenta e cinco anos atrás o recém batizado Grupo Mensagem (eu, Sidney Miller, Paulo Thiago, Marco Antonio Menezes e Soninha Ferreira) estreava no palco do Teatro Opinião, Rio de Janeiro – o que para nós equivalia à Broadway . Éramos simples coadjuvantes de um espetáculo musical chamado “Samba Pede Passagem”, idealizado e escrito por João das Neves, Armando Costa, Oduvaldo Viana Filho e Sergio Cabral, mas estávamos ao lado de Aracy de Almeida, Baden Powell, MPB4, Ismael Silva, Raul de Barros, Canhoto e seu regional e umas duas dezenas de sambistas e partideiros de raiz, em mais um delírio frutífero do incansável Grupo Opinião. Crus como um sushi, jovens como um Bourgogne, fomos literalmente lançados à presença das feras MPB da época como gladiadores no Coliseu, com a enorme diferença de que os leões eram nossos amigos, ou quem sabe, foram domados por nossa ingenuidade e vontade de aprender com aquilo que víamos no quadrilátero da arena histórica do teatro Opinião, foco de resistência cultural à ditadura - que ainda não mostrara seus piores dentes. No domingão, Pichin Plá, a diretora de produção, chegava com os envelopes de pagamento e nós achávamos que estávamos no Céu dos Jovens Artistas, recebendo para fazer a coisa que nos fazia sentir a vida em todo o seu esplendor, ou seja, tocar e cantar nossas próprias músicas para um público ávido de novidades.
No meio disso tudo – não me lembro bem, mas acho que o espetáculo durou uns três meses e acabou pela simples impossibilidade de pagar as trinta e uma pessoas que o compunham – aconteciam coisas hilárias que nós, lá de baixo dos nossos ainda não completos vinte anos, assistíamos com sentimentos que variavam do simples interesse à absoluta incompreensão do que realmente se passava.
O começo do espetáculo trazia uma entrada coletiva do elenco. Então todos nós trinta e uns nos acotovelávamos atrás da cortina e numa dessas entradas nossa primeira dama, a inefável, inimitável e insubstituível Aracy de Almeida – corram para a Wikipédia, sonsos! - soltou um formidável pum, bem ao lado da Soninha Ferreira, que por sua vez era nossa ingênua e protegida princesinha. Soninha, surpreendida pela – eh, informalidade...- de Aracy, arregalou dois belos olhos. Percebendo seu espanto, Aracy retrucou no ato:
- Tá olhando o quê, menina? Do que sai dentre as pernas eu só prendo neném!
De outra vez, o partideiro Padeirinho da Mangueira, que tocava uma percussão toda sua – faca raspando no prato de louça, acreditem - acabou quebrando uma lasca do prato e acertando a testa da Aracy, que sangrando do corte e percebendo rapidamente de onde viera a bala, atacou com fúria o pobre Padeirinho, em cena aberta:
- Ô Padeiro, enfia essa p... de prato no rabo, c...
Padeirinho da Mangueira
Essa era a Aracy. Não obstante sua discutível elegância feminina, ela recebia todas as noites na platéia a visita do General. Nós o chamávamos General, mas até hoje não sei se ele era Coronel ou Major ou o quê. Seu porte de legítimo R1 – logomarca identificativa dos militares da reserva – não negava a origem de anos de quartel. Ereto, sorridente e sempre bem disposto apesar da idade visivelmente adiantada, ele chegava cedo ao teatro, sentando-se sempre na mesma cadeira e aguardando a entrada de sua musa. Quando Aracy atacava “Feitio de Oração”, minha Noelina preferida, eu sempre arranjava um buraquinho na cortina da coxia para curtir a inesquecível expressão de enlevo do General. Um homem apaixonado é sempre uma coisa a observar. E Aracy, mulher a priori feia e desengonçada, merecia cada centímetro daquela atenção, porque ouvi-la cantar Noel era uma experiência extra sensorial. Lamento por aqueles que não viram , ou ouviram,isso. É como não ter visto Pelé jogando ao vivo.
Baden Powell chegava sempre virado de noitadas, manhadas e tardadas com Vinícius de Morais, seu e nosso poeta preferido. Numa dessas chegadas ele fez com que eu me sentasse a seu lado e me ensinou a tocar e cantar “Canto de Ossanha”, que recém compusera com Vinícius naquela mesma tarde. Claro que eu tremi e a custo consegui perseguir sua harmonia, ao mesmo tempo simples e intrincada. Depois ele chamou o resto do pessoal e organizou vocais e instrumentais. Naquela mesma noite tocamos a música em primeira mão, num deslumbrante coro de trinta e uma vozes de todas as origens, do morro a Ipanema.
Baden Powell
E acha.
VIDA DE ARTISTA
luiz carlos sá
quarta-feira, 7 de julho de 2010
VITÓRIAS E DERROTAS
O desnecessário e pueril tombo brasileiro na Copa do Mundo faz com que eu caia solidariamente naquele lugar comum de usar o futebol como metáfora, recurso adorado por populistas de todas as cores ( presidentes inclusive) e inevitável em tempos como este que estamos passando, em que a auto-estima de um país inteiro vai provisoriamente pras cucuias. A sombra da derrota no pebolim (paulistano, porque no Rio é totó) em que se transformou o vigoroso esporte bretão deve durar pouco tempo, já que o autoritarismo do pobre Dunga, ingênuo Judas da vez, atirou a seleção em descrédito desde o princípio. Depois de anos de ditadura ficamos avessos a esse tipo de comportamento.
Eu particularmente curti muitas vitórias e sofri outras tantas derrotas na vida. Pra nossa geração musical, criada em festivais, era deles que surgia a surpresa de sermos transformados em vencedores ou vencidos, ídolos ou anônimos da noite pro dia. Passei por vários e embora não tenha ganhado nenhum, capitalizei muita experiência em participações e conhecimento de causa. Cancha, enfim, que me foi utilíssima na carreira, se é que isso pode servir de consolo numa era e num país onde só o primeiro lugar é válido.
Os Festivais eram uma espécie de vestibular para a turma jovem que iria se iniciar na profissão. Juntávamo-nos todos, entusiasmados, e ficávamos discutindo as músicas que poderiam levantar a galera. E põe galera nisso: das várias centenas nos das TVs Excelsior e Record a dezenas de milhares no maior deles, o Internacional, no Maracanãzinho. Gente de todos os tipos e gostos que torcia futebolisticamente – olha a metáforazinha aí de novo, que fazer... – por sua música favorita e vaiava sem dó as favoritas dos outros, fazendo com que muito pouco som fosse de fato ouvido nas fases decisórias. O melhor dos Festivais de Música dos anos 60 e 70 era sua absoluta democracia: misturavam-se no palco e na feroz concorrência nomes consagrados e desconhecidos, o que dava a nós, principiantes, a alegria adicional de ficar ombro a ombro com nossos ídolos nos camarins.
Nosso “vestibular de composição” era dividido em três fases: o chamado “balaio”, onde um secretíssimo júri selecionava uns dez por cento das milhares de músicas enviadas do Brasil inteiro; a seleção das classificadas, que seriam apresentadas e televisadas em duas ou três séries; e depois das eliminatórias, as finalíssimas, com as classificações definitivas e os prêmios adicionais de costume, tipo melhor cantor, cantora, arranjo, etc.. Pra nós, um Oscar.
Em 1966 meu amigo e guru, o poeta e letrista Nelson Lins de Barros, convenceu-me a inscrever músicas no 1° Festival Internacional da Canção, o FIC. Eu mesmo não levava muita fé em mim e agradabilissimamente surpreso em me ver classificado para as apresentações no Maracanãzinho. Talvez seja difícil pra vocês imaginar o deslumbramento que nós, jovens compositores, sentíamos ao ver nosso trabalho reconhecido ao lado dos Badens, Vinícius, Edus Lobos e até Caymmis e Tons. Imaginem! Euzinho mal entrado na pós adolescência, naquele camarim olhando meus maestros preferidos discutirem arranjos, meus cantores favoritos me ensinando exercícios de voz, meus compositores mais queridos mostrando uns aos outros suas ainda mal terminadas autorias... Era de cair de costas. Talvez tenha sido até por isso que em vez de dá-la à interpretação experiente e profissionalíssima do amigo Pery Ribeiro, que adorava a música, fiz questão de cantar eu mesmo minha “Inaiá”, um samba de viés folclórico muito à minha moda de então, que recebeu um arranjo primoroso do querido maestro Lindolfo Gaya. Derrota: fui pras finais, mas tremi na última apresentação e peguei um melancólico nono lugar. Vitória: ouvir vinte mil pessoas me aplaudindo no meio da música, na apresentação eliminatória.
No ano seguinte, inscrevi-me de novo, mas aí a derrota foi total: não passei do balaio. Em compensação, meus amigos mais chegados estavam todos já na crista dos festivais. O MomentoQuatro, quarteto vocal-instrumental de Zé Rodrix, Mauricio Maestro, Ricardo Villas e David Tygel dividia o palco com Edu Lobo e Marília Medalha e vencia o III Festival da Record com a magistral “Ponteio” (Edu Lobo – Capinam). E meu recém, mas já muito amigo e futuro parceiro de música e vida Guarabyra disputava com sua “Margarida” as finais da parte nacional do II FIC, coadjuvado pelo Grupo Manifesto de Gracinha Leporace, Guto Graça Mello, Mariozinho Rocha, Augusto Pinheiro e outros. Recebi um convite pra assistir à final nacional, mas embora morasse na Tijuca, perto do Maracanãzinho, não me animei a ir: minha desclassificação ainda me doía muito. Preferi a TV. E de repente, no meio de um cochilo, ouço o apresentador anunciar:
- E a vencedora é... “Margarida”, de Guttemberg Guarabyra, apresentada pelo autor e o Grupo Manifesto!
Dei um pulo de três metros e caí do sofá, perplexo. Meu amigo ganhara! Fiquei vendo a emocionada reapresentação da turma, no meio da balbúrdia de milhares de pessoas que acenavam enormes margaridas de papiê machê, com um arrependimento sem fim de não ter pulado fora daquele bode idiota e ido ver o que acabara por ser a vitória do amigo, saído meteoricamente do anonimato de Bom Jesus da Lapa para a fama estratosférica que um festival daqueles dava, em termos inclusive de cobertura internacional, já que a vencedora do Brasil partia para concorrer com a mais badalada ainda parte internacional do Festival.
Mas enfim, a vitória dele consolou minha derrota e eu parti com mais convicção e menos medo para outras competições, em outros FICs ou nos importantes Festivais Estudantis da TV Tupi que revelaram João Bosco, Ivan Lins e Gonzaguinha e no menos badalado - mas não menos importante - Festival de Juiz de Fora, onde conheci Milton, Lô, Tavito, Beto Guedes e toda a turma mineira que desembocou no Clube da Esquina. Jamais ganhei nenhum festival. Mas não carreguei comigo o ranço da derrota, porque neles acabei por aprender o papel da música e da amizade na minha vida. Aprendi a abraçar sem inveja, a tocar junto, a compor em parceria, a comemorar a justa vitória alheia e a lamentar com sinceridade a derrota injusta sem fingir o inexistente fairplay de uma hora frustrante.
Éramos quase todos muito jovens. As vitórias e derrotas dessa época ajudaram-nos a criar os calos necessários e fazer com que conhecêssemos melhor o mundo real e muitas vezes cruel e inflexível de nossa profissão, entendendo que por trás daquele glamour havia uma exigência de dedicação e seriedade. E que em vez de ficar ricos talvez tivéssemos que ser apenas felizes.
É pra isso que servem as vitórias. E as derrotas também!
Coluna VIDA DE ARTISTA
luiz carlos sá
segunda-feira, 5 de julho de 2010
Guarabyra na Passarela
E APARECEU O GUARABYRA
Fala, Gutemberg!
Além de vencer o 2º Festival Internacional da Canção, na parte nacional, com a música Margarida, em 1967, Gutemberg Guarabyra, nascido em Barra (antiga Vila de São Francisco de Chagas da Barra do Rio Grande), no sertão baiano, venceu o Festival de Juiz de Fora, em 1969, com Casaco Marrom, uma parceria com Renato Corrêa (Golden Boys) e Danilo Caymmi. Interpretada pela cantora Evinha (Trio Esperança), a música estabeleceu um dos maiores sucessos de execução da época. O excelente compositor tornou-se também produtor musical (TV Tupi), diretor artístico (6º FIC e Festival de Juiz de Fora) e publicitário premiado, compondo jingles ao lado de Luiz Carlos Sá. Numa época em que a moda eram as músicas engajadas, Guarabyra estava mais para um agente do flower Power, num misto de hippie com trovador medieval. Autor gravado por artistas do porte de Milton Banana Trio, Erasmo Carlos, Ney Matogrosso, João Donato, Zizi Possi, Sérgio Reis e Agostinhos do Santos, Gutemberg falou com a gente:
Numa época em que a onda na MPB eram as músicas engajadas, feitas por compositores com militância política ou por artistas populares, como João do Vale e Zé Kéti, como a vitória de Margarida foi recebida?
R- Muito bem. Aliás, até pode ter sido o caráter tranquilo e despojado da música a razão de ter vencido. Outro dia estive com um compositor concorrente no mesmo festival e brinquei que minha música só tinha vencido porque todas as outras eram tristes e a minha era a única aragem fresca da manhã em toda aquela noite de tempestades pela qual o Brasil passava na época. Além disso, hoje sei que o público interpretava em mim uma espécie de símbolo daquilo que os heróis populares geralmente representam. Eu era apenas um menino anônimo, 19 anos à época, chegado do sertão longínquo do rio São Francisco, sobrevivendo na cidade grande às custas de um emprego humilde de office-boy etc. Portanto, aquele apoio todo da população do Rio, milhares de pessoas enfeitadas de margarida fazendo um verdadeiro carnaval no Maracanãzinho e também por toda a cidade, onde a flor virou moda, tinha por trás uma força humana alheia à luta política que se desenrolava. Isso pegou todo mundo de surpresa. Inclusive eu, claro.
Você sofreu patrulha da esquerda festiva, que invadia os festivais pronta para vaiar qualquer coisa que não fosse engajada?
R- Não, porque como já falei minha música e meu surgimento foram fenômenos que correram por fora disso tudo. A vaia que levei na noite em que Margarida se consagrou em primeiro lugar foi a vaia normal que todo ganhador de festival leva. Naquele momento, você tem apenas a sua torcida o aplaudindo enquanto as 29 demais torcidas, naturalmente decepcionadas, descarregam sua frustração. Não há como escapar da vaia de vencedor. Nem Chico e Tom, que também venceram o mesmo festival, com Sabiá, escaparam dela.
Guarabyra recebe o troféu no FIC das mãos
da atriz Kim Novak e do maestro Henry Mancini
O que levou à saída do Zé Rodrix do trio, em 1973?
R- Zé era um sujeito muito mais ordeiro e aplicado que a gente (eu e Sá). Era um arranjador, escritor, tinha uma necessidade enorme de viver em contato com os livros, com as partituras e, em razão disso, tinha a necessidade de dispor de um lugar para estudar, refletir. Enfim, era essencial para ele viver em casa, enquanto eu e Sá éramos loucos por aventura, dormíamos em qualquer lugar nas estradas, tínhamos uma fome enorme de ver, presenciar o Brasil. Foi mais por isso que o trio se desfez.
O compacto simples com Margarida
E o que motivou a reunião da tropa em 2001? Foi só a perspectiva de participar do Rock in Rio?
R- Aconteceu que logo depois de nossa separação já não estávamos mais separados. No início brigamos feito crianças, uma briga muito infantil. Acho que o ser humano tem uma necessidade muito grande de justificar esse tipo de situação em que a separação é inevitável. Há que se buscar um culpado sempre. Mas às vezes – diria até que na maioria das vezes – não há motivo algum para briga, embora persistam os motivos para a separação. Foi assim que, mesmo sem conversar sobre o assunto, sem “discutir a relação”, a gente se viu de repente se encontrando de novo, Zé fazia arranjos pros discos da dupla, participava nos vocais das gravações etc. De modo que quando o Rock in Rio nos avisou que tinha resolvido fazer uma homenagem aos criadores do rock rural e ao rock rural em si, foi pra lá de natural convidar Rodrix para cantar com a gente. Afinal, a homenagem era dirigida a ele também. O que não havíamos planejado, pelo menos conscientemente, era que depois do Rock in Rio voltaríamos à estrada juntos novamente como trio.
Evinha: sucesso com Casaco Marrom
A nova reunião dos três, em 2008, para a gravação do CD Amanhã, significava que vocês iam ganhar estrada novamente?
R- Na verdade já estávamos na estrada de novo. Desde o Rock in Rio 2001 que excursionávamos Brasil afora normalmente. Aliás, a volta do trio aconteceu como uma coisa boa na vida dos três. Foi excelente descobrir que havia um público específico do trio, que amava as músicas do trio. Uma ocasião muito especial, logo após nosso reencontro, se deu na cidade de Navegantes, em Santa Catarina. Fomos nos apresentar lá sem banda, apenas a gente com nossos instrumentos. Gostávamos muito de nos apresentar assim. Era uma boa oportunidade para nos ouvir novamente nos acordes soando muito limpos, saltando dos instrumentos e principalmente dos nossos vocais, que sempre foi uma parte que apreciávamos caprichar e curtir. Ainda mais quando o show acontecia em um bom teatro, com acústica ideal, como era o caso. Então estávamos animados nos camarins antes da apresentação. Brincávamos, descontraídos, gozando a cara um do outro, como era de nosso feitio. Aí, quando fomos chamados, entramos no palco procurando nos concentrar e nos dirigimos aos nossos instrumentos. Porém, se deu uma coisa que até agora me emociono quando lembro. Ainda sem termos emitido um único som, enquanto o Zé se acomodava ao piano e eu e Sá passávamos por sobre os ombros as correias dos violões, alguém iniciou um aplauso tímido na platéia, e esse aplauso foi sendo ampliado aos poucos, aqui ao lado, mais no fundo. Segundos depois, o público de pé, num teatro enorme totalmente lotado, aplaudia o trio sem parar. Era como se a nossa volta fosse ainda mais importante do que o próprio espetáculo que íamos oferecer. Ficamos perplexos. Entendemos ali isso que já disse. Havia um público específico do trio, e ele estava com saudades.
Quais são os planos, agora, com a ausência do Zé Rodrix? A dupla planeja uma turnê?
R- Os planos agora são lançar um disco novo o mais rapidamente possível. No início achávamos que poderíamos completar a turnê do disco Amanhã mesmo sem Rodrix. Mas logo vimos que sem a voz e a presença peculiar do nosso companheiro jamais o trio existiria de novo. Foi difícil constatar isso e achamos que será também difícil o processo de reconstrução de nossa própria carreira que já estava embalada em direção a outro destino. Mas a vida é assim mesmo. Quem não recomeça não vive.
Extraído do Blog Passarela:
http://veja.abril.com.br/blog/passarela/entrevista/e-apareceu-o-guarabyra-3/
quarta-feira, 9 de junho de 2010
Na Fronteira, de Luiz Carlos Sá
VIDA DE ARTISTA
luiz carlos sá
NA FRONTEIRA
Era pra ser apenas mais um fim de semana de shows igual aos outros. Mas por alguma estranha razão, nossas idas ao Mato Grosso – e aí sempre tanto fez sul ou norte – nunca foram comuns: sempre dão o que contar.
Então saímos de Sampa numa bela manhã de inverno em algum ponto dos estertores da década de 80, não me peçam, por favor, pra lembrar em que ano foi isso, e fizemos um lindo vôo até Campo Grande, para um show invulgarmente comum dentro da história de nossa saga mato-grossense de costume, levando na lembrança a imagem de um projeto Pixinguinha que fizéramos poucos anos antes na mesma cidade onde num jantar com o ex-governador Rondon Pacheco, assistimos nossa inefável lady Inezita Barroso, cantora de raiz e figuraça adorável, beber várias garrafas de cerveja quente num calor de 40 graus com um sorriso encantador e porisso mesmo com a mesma voz de quarenta anos antes...
Bom, mas vamos nos concentrar naquela idéia estranha que Wilson “El Flaco” Gonçalves, nosso operador-cirurgiã o-de-som, teve ao cair da agora fria madrugada de Campo Grande, véspera de nosso show em Dourados:
- Cara, nós vamos estar perto da fronteira...
-?...
- E aí que a gente podia ir pra Ponta Porã e comprar uns baratos no Paraguai, em Pedro Juan Caballero. Eu já estive lá.
Vale lembrar que naquela época a entrada de importados no Brasil ainda era bem restrita. Comprar no Paraguai dava um caldo. Problema: a fronteira ficava a uns cem quilômetros de Dourados e tínhamos um show à noite, para o qual Wilson tinha que chegar a tempo da passagem de som, lá pelas cinco da tarde. Aliás, não só o Wilson, né, de preferência nós todos... Mas a persistência do “El Flaco” produziu a onda: alugou dois fuscas – éééé, dois fuscas, pode?! – e lá fomos nós despencados pra Ponta Porã. Parênteses: eu particularmente sempre achei “Ponta Porã” um dos nomes mais bonitos que uma cidade pode ter. Acho misterioso como “Casablanca”, belo como “Rio de Janeiro” e charmoso como “Buenos Aires”. Então, conhecer Ponta Porã pra mim era como o 007 conhecer Timbuctu. E, vamos e venhamos, Pedro Juan Caballero também não deixa de ser um nome instigante, ainda mais no Paraguai!
Lá fomos nós, então, a equipe inteira, o Flaco pilotando um Fusca e eu o outro, sem dó, pé no fundo. Saímos de Dourados umas onze da manhã, suficientemente atrasados para o mar de compras a que nos propúnhamos e chegamos lá tipo meio dia. E tome de caixa de uísque, pacote de cigarro, eletrônicos, etcetera, multiplique isso aí por oito e imagine o que os fuscas viraram. Pra arrematar a doideira, já lá pelas duas da tarde, nosso baixista Sergio Kaffa intuiu uma indesculpável falha cultural:
- Vamos embora sem tomar uma Dorada?
Dorada era uma cerveja paraguaia com a qual tínhamos tido uma boa relação num show anterior em Foz do Iguaçu.
- Dorada! – rugimos em coro. Partimos então prum boteco fronteiriço que achamos mais ou menos digno da nossa presença. Quando nos lembramos de ir embora já passava das cinco. O show era às nove. Tínhamos três horas pra passar pela alfândega, voltar pra Dourados, passar o som, correr pro hotel, tomar banho e fazer o show. Na alfândega a coisa encrencou: passa isso, não passa aquilo, paga isso, não paga aquilo... acabou que pegamos a estrada já quase anoitecendo e chegamos de volta a Dourados ainda tendo que devolver os dois agonizantes Fuscas já arrependidos de serem refrigerados a ar e pedindo água. Claro que depois de tanta agitação o tempo das músicas saiu corrido, a banda parecia sempre puxar os tempos pra cima e depois do show ouvimos de vários fãs mais pro heavy metal que “foi ótimo”...
No dia seguinte partimos no nosso ônibus fretado de volta para Campo Grande, no rumo de pegar um vôo para Cuiabá, onde faríamos nosso último show da excursão. Sabe Deus o que o bagageiro do buzum carregava e talvez por isso mesmo o pobre coitado gemeu, bufou e afinal enguiçou no meio da estrada. Perder o vôo era perder o show. Resolvemos então dividir a gig em duas partes: tentaríamos uma carona na frente, eu, Guarabyra e Kaffa, que poderíamos fazer um mezzo-show pra pelo menos não decepcionar demais o público cuiabano. O resto da banda seguiria depois, pro que desse e viesse. No porão do nosso ônibus seguiam quase duas toneladas de equipamento de som, indispensáveis para a perfeição técnica do espetáculo.
Descemos do ônibus e botamos o polegar na roda, num tempo e num lugar onde carona não era muito perigoso nem de dar nem de pegar. Parou um Escort com um rapaz que ficou feliz de nos levar até o aeroporto. Mas isso não foi nada: sorte foi a do resto da banda, que menos de meia hora depois de nós já estava a bordo de um ônibus de um... Colégio de freiras! As freiras, muito simpáticas, pararam seu ônibus colegial e trasladaram todo nosso equipamento para seus bagageiros. Resultado: conseguimos todos – e mais o equipamento completo - pegar o vôo para Cuiabá, que para nossa sorte adicional estava atrasado quase uma hora. A única dificuldade foi convencer os pequenos alunos de que aquelas figuras cabeludas que entraram em seu ônibus eram absolutamente inofensivas. Mas com meia hora de viagem a banda tinha conquistado as crianças e todos já cantavam juntos a trilha sonora da Noviça Rebelde. Mentira, claro. A garotada ficou cabreiríssima com aquele monte de gente estranha tentando sorrir e ser amigável. Mas as freiras levaram numa boa e – com caridade verdadeiramente cristã – deixaram nossa equipe no portão de embarque.
Pra completar o bizarro da parada, depois do show de Cuiabá fomos parar num cassino clandestino onde fomos recebidos por uma espécie de pai-de-santo cercado de mulatas estratosféricas e perdemos – quer dizer, eu perdi - uma grana na roleta e no bacará. Como se tudo isso não bastasse embarcamos, virados de noite, num vôo da saudosa Transbrasil que soubemos depois ser o Vôo da Carne. Explico: era o vôo das cinco da manhã que levava a carne recém-cortada do gado pantaneiro para São Paulo. Em conseqüência o avião saía pesadaço e tinha que descer em Guarulhos com quaisquer mínimas condições de descida. No meio de uma cerração brutal, só enxerguei a pista na primeira batida dos trens de aterrissagem desse último e único remanescente que voei dos velhos Boeing 707.
Há uns dois anos atrás voltamos a Cuiabá e nada de extraordinário aconteceu, o que me fez querer voltar pra lá de novo o mais breve possível. Afinal de contas, temos que manter a escrita, não é mesmo?
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A Coluna VIDA DE ARTISTA foi publicada na Revista Backstage e em breve estará reunida em um livro de crônicas sobre a carreira .
sábado, 29 de maio de 2010
Backstage com Luiz Carlos Sá
segunda-feira, 5 de abril de 2010
Sá & Guarabyra & Aécio Neves
Na foto "2 dedos de prosa" entre Aécio, Luiz Carlos Sá, Guarabyra ao lado.
Fonte: https://blogdonoronha.wordpress.com/
Agradecimentos: Maria Valéria Bethonico
sexta-feira, 19 de março de 2010
Amanhã no Jornal do Brasil ( RJ )
Última gravação de Zé Rodrix dá corpo a canções francamente românticas
Nelson Gobbi, Jornal do Brasil
RIO DE JANEIRO - No início dos anos 70, entre o protorrock nacional e as canções de protesto, diferentes movimentos musicais emergiam, buscando lugar entre a herança bossanovista e a conexão com um público jovem.
Abrigados no gênero guarda-chuva MPB, os próprios grupos e artistas ganharam rótulos que, se por um lado davam uma unidade necessária à sua entrada no mercado fonográfico, por outro não contemplavam com exatidão todas as nuances de suas propostas, a exemplo do rock rural, que reuniu nomes como O Terço, Zé Geraldo e Sá, Rodrix e Guarabyra. O trio - e posteriormente dupla, com a saída de Zé Rodrix em 1973 – construiu sua trajetória dividido entre as referências do início da carreira e a adesão à canção popular. Reunidos novamente após 2002, com o lançamento do CD e DVD ao vivo Outra vez na estrada, os três souberam manter este equilíbrio em Amanhã, disco com 12 músicas inéditas que chega às lojas quase um ano depois da morte de Rodrix.
Riqueza instrumental
O mérito mais evidente do álbum é a falta de pudor em ser popular, em que pese a sofisticação dos arranjos, que muitas vezes remetem às experiências do início de carreira, a exemplo do tema de abertura, Sonho triste em Copacabana. A produção de Tavito – que traz ao estúdio uma riqueza instrumental cada vez mais rara atualmente, até mesmo em obras de medalhões da MPB – dá corpo a canções francamente românticas, como a faixa-título, Nós nos amaremos, Logo eu saudade e Amar direito, com seu belíssimo arranjo de acordeon. Apesar de Os dez mandamentos do amor pesar demais a mão e destoar do clima do disco, todas as outras têm potencial para figurar junto a sucessos da dupla Sá e Guarabyra como Dona e Espanhola.
A vertente “rural” do trio ganha reforço com Cidades meninas, compostas sobre municípios mineiros batizados com nomes femininos, a ecológica Dia do rio e a neo hippie Caminho de São Tomé. Mesmo nas faixas de temática urbana, as quais ressaltam a origem carioca do grupo, está presente a ambiguidade das referências do campo e da cidade, a exemplo da já citada Sonho triste em Copacabana e Novo Rio, que cria um diálogo interessante entre Futuros amantes, de Chico Buarque, e outro de seus sucessos enquanto dupla, Sobradinho.
É impossível deixar de relacionar o caráter póstumo legado ao disco a uma de suas melhores composições, Marina, eu só quero viver, na qual versos românticos como “Eu não quero fazer a viagem/ Me faltam dois contos e um pouco de coragem” remetem involuntariamente à perda prematura de Zé Rodrix. Talvez, contudo, seja essa a melhor forma de homenagem, com a mesma despretensão e espontaneidade com que o trio compôs uma das melhores músicas da década de 70, Mestre Jonas.
21:39 - 08/03/2010
quinta-feira, 18 de março de 2010
Show no SESC VIla Mariana na Semana Santa
Corra para comprar o melhor lugar e assistir ao lançamento de AMANHÃ!
quarta-feira, 10 de março de 2010
TOO OLD TO ROCK’N’ROLL, TOO YOUNG TO DIE..
Luiz Carlos Sá
(Coluna Vida de Artista da Revista Backstage*)
Em 1976 o Jethro Tull, grupo de rock britânico liderado pela figuraça do flautista, vocalista e compositor Ian Anderson - que costumava tocar sua flauta apoiado numa perna só como um estranho saci ruivo – lançou um disco com o título de “Too Old to Rock’n’Roll, Too Young to Die”. “Muito velho para o rock, muito novo para morrer”, clamava Ian, do alto dos seus vetustos vinte e nove anos...
Ian é de 1947, está aí vivão, bem disposto e tocando ainda com seu Jethro Tull pelo mundo afora e cuidando de sua criação chilena de salmões. Mas naquela época era assim mesmo: a gente achava que depois dos trinta só a morte nos esperava. Acreditávamos na eterna juventude proporcionada por um Rock’n’Roll, evidentemente contestatário, que exigia então ou que morrêssemos cedo ou que parássemos de tocar e fôssemos criar os filhos em Suburbia, abrindo lugar para a próxima onda enraivecida de rebeldes. Tínhamos enorme preconceito contra os “velhos”, termo que abrangia gente de todas as idades que não concordasse com nossa maneira de viver ou pensar. “Não confie em ninguém com mais de trinta anos/não confie em ninguém com mais de trinta cruzeiros” era o que aconselhava um hit de Marcos e Paulo Sergio Valle, ambos hoje sessentões e atuantes. Como se pode ver, pagamos nossa língua: muitos de nós ainda são vítimas desse eterno preconceito que ajudamos a criar nas décadas de 60 e 70. Justiça nos seja feita: o mundo estava mesmo muito velho, eh, eh, eh... Mas esquecíamos que para viver o presente e preparar o futuro tínhamos que olhar o passado. Bem verdade que, num acesso de lucidez, eu e meus parceiros Rodrix e Guarabyra intitulamos nosso primeiro LP, lançado em 72, de “Passado, Presente, Futuro”. Pensando melhor, acho que naqueles tempos de ditadura, “velhos” significava “opressores”...
Ainda há sinais de preconceito no horizonte pós-pós-moderno. Dou exemplos: no meu qüinquagésimo quarto aniversário eu estava num show do Cake, no MAM, Rio de Janeiro, dançando e cantando as letras que sabia de cor. De repente, virei-me pro lado e dei de cara com uma jovem moçoila que me olhava com uma expressão intrigada. Sorri para ela e fiz um gesto de “qual é?” e ela chegou mais perto e gritou no meu ouvido: “como é que o senhor sabe todas as letras?” Caramba, porque eu não saberia? Certamente ela pensava que gostar do Cake era um privilégio de outra geração! Esse preconceito, claro, não é generalizado, mas fica latente à medida que nossa “jovem” geração setentista, criada em meio ao então recém descoberto poder que a juventude nos emprestava, envelhece menos que as anteriores. Amparados pelo cavalar progresso tecnológico do século 21, morremos cada vez mais tarde e acumulamos uma experiência que pode ser extremamente valiosa, mas é vista como um obstáculo por quem vem atrás, batalhando por um lugar no mercado de trabalho, no mundo, na vida. No caso particular da música, o amadurecimento que aplaina as diferenças pessoais e – por que não citar a verdade de muitos casos? - a necessidade de juntar uma caixinha pra velhice faz com que mais e mais grupos de rock dos anos 70 e 80 se reúnam e voltem à estrada com uma energia insuspeitada, fazendo shows vibrantes para platéias de todas as idades: os pais, lembrando dos “bons tempos” e os filhos entendendo por que os pais achavam aqueles tempos tão bons. Acredito que isso aconteça por que o rock dessas décadas traga uma mensagem libertária ainda não efetivamente repetida nos tempos atuais, que para muitos de nós daquelas gerações parecem, ironicamente, mais restritivos e repressores.
Há poucos anos atrás eu conversava no aeroporto de Vitória com os Titãs Tony Belloto e Charles Gavin, queixando-me das exigências que as gravadoras faziam ao Sá, Rodrix & Guarabyra, pedindo sempre regravações de velhos sucessos. Para meu espanto eles se confessaram pressionados com as mesmas exigências, apesar de integrarem um grupo dez anos mais novo que o nosso. E há menos de um mês li uma entrevista do Charles, recém saído dos Titãs, falando sobre o stress que a estrada provoca em muitos de nós. Para sobrevivermos na doce selva da arte, ficamos distantes de casa, mal vendo os filhos crescerem, tendo que dedicar o essencial de nosso tempo de vida a ser um artista em evidência. Charles, por exemplo, fala que encheu o saco de ter que viajar pra fazer shows todo o fim de semana, o que seria sonho de consumo de 130% dos principiantes que conheço. Mas entendo perfeitamente o que ele quer dizer. E entendo mais ainda quando ele aponta a contradição entre ser um músico de rock e enfrentar a passagem do tempo. A cabeça muda. A música muda. Os objetivos mudam também. Não conheço um músico de qualidade sequer que não se canse um dia dos clichês roqueiros e parta para diversificar seus destinos musicais. Há sempre a necessidade de tentar novas experiências. Mesmo não significando infidelidade às origens, elas trazem um sabor diferente a ser provado. Afinal de contas, a inquietude não é um dos principais postulados do rock? Talvez por isso estejamos assistindo cada dia mais a tentativas de misturas entre nossas tradições musicais e os ritmos que chegam de fora, comprovando nossa tradição antropófaga (!) posta em evidência pelos tropicalistas. Então acontecem redescobertas de caras já não tão novos e com uma respeitável bagagem de estrada, tipo Lenine (que eu diria ser um “rockruralista” moderno, com seus derivados de xotes e baiões cheios de peso instrumental e vocal), Marcelo D2 e seus raps egressos do samba de quadra, etc.. Do outro lado da cerca, centenas de outros menos famosos de todos os tipos, gêneros e idades lutam por um lugar ao sol nessa floresta de myspaces, facebooks e similares, misturando tudo que é som numa geléia de inimaginável diversidade e qualidade quase sempre duvidosa .
“Muito velho para o rock, muito novo para morrer”... Acho que o que morreu mesmo foi o sentido dessa frase, enterrado sob cada show dos sessentésimos Rolling Stones, do AC/DC, do Deep Purple, do Metallica ainda com Ulrich e Hetfield e de muitos outros mais, que transformaram em condecoração o deboche contido no epíteto “dinossauros do rock”.Eu, particularmente, continuarei me divertindo no palco enquanto juntas, músculos, cartilagens e ossos agüentarem, ou até mesmo depois disso, já que não deve faltar muito até inventarem uma espécie de clone sensitivo que possamos colocar no palco com nossos pensamentos, palavras, aparências e gestos. E nós, dinossauros convictos, confortavelmente sentados numa poltrona na coxia, controlaremos nosso alter ego mecatrônico com um sofisticadíssimo joystick, recebendo em troca, num chip implantado diretamente em nossos corações, a inesquecível e indispensável carga energética da platéia em delírio...
segunda-feira, 8 de março de 2010
Registro Eterno ( Jornal A Gazeta)
Registro eterno
08/03/2010 -
Vitor Ferrivferri@redegazeta.com.br
Um material que já nasce para ficar guardado na memória da música brasileira e para matar a saudade dos fãs saudosistas. Assim caracteriza-se "Amanhã" (independente), novo disco do famoso trio Sá, Rodrix e Guarabyra, neste lançamento que é o último registro feito pelo grupo em sua formação original. Isso porque o CD chega às lojas quase um ano depois do falecimento súbito do músico Zé Rodrix, em 22 de maio de 2009, em São Paulo.
Antes de partir, Rodrix deixou um álbum inteirinho gravado e praticamente finalizado, feito ao lado de seus parceiros Luís Carlos Sá e Guttemberg Guarabyra. Mesmo desestabilizada com a perda de um dos pilares do trio, a dupla remanescente resolveu não engavetar o projeto. Afinal, o disco que marcaria o retorno do conjunto era algo muito aguardado pelos fãs e pelos próprios músicos.
"É uma alegria ver o disco na rua, mas, ao mesmo tempo, bate uma dor por não ter o Zé mais conosco. O disco era um sonho dele também. É uma ingratidão da natureza. Mas em nenhum momento pensamos que o material não fosse sair", explica Carlos Sá, em entrevista por telefone ao Caderno 2.
O músico conta que só não esperava a autorização da Justiça com tanta rapidez para o lançamento do material, afinal os trâmites legais para a liberação dos direitos quando um músico morre costumam demorar. A surpresa foi tamanha que a dupla nem teve tempo de pensar numa turnê de divulgação.
Gravação
Concebido e gravado entre maio e novembro de 2008, "Amanhã" é composto por 12 músicas inéditas, todas escritas pelos três músicos, e por algumas colaborações, com produção artística a cargo de Tavito, grande amigo do trio. Sá lembra que o trio ficou cerca de três meses dentro de um apartamento, em São Paulo, escrevendo, musicando e testando o conteúdo produzido. Só depois é que eles foram para os estúdios.
O músico faz questão de dizer que o novo disco não representa nenhuma quebra de paradigma sonoro perpetuado por eles até então. Apesar de novo, o disco tem um pé no passado. "A gente se preocupa muito com a questão da marca. Temos confiança em nosso estilo. Por isso, não nos preocupamos em atualizar nosso som. Os clássicos duram mais. É claro que não agradamos a gregos e troianos, mas essa nem é a nossa maneira de trabalhar. Não somos artistas da grande massa, sabemos disso", revela Sá.
Ele emenda: "Nós cantamos o que gostamos. Temos que ser modernos, mas não ridiculamente modernos. Acredito que nós nos superamos nesse disco e é isso que a gente quer. Esse álbum me fez uma pessoa e um músico melhor", finaliza o músico, dizendo ainda que, com a morte de Rodrix, o trio perdeu personalidade.
Sá, Rodrix e Guarabyra
"Amanhã"
Independente 12 faixas
Quanto: R$ 20 (Em Média)
Fatos marcantes na carreira do trio
1970. O trio Sá, Rodrix Guarabyra nasceu no início da década. Eles criaram o chamado rock rural, músicas sertanejas com elementos de rock.
1971. "Casa no Campo", composição de Rodrix e do músico Tavito, ganhou o Festival de Juiz de Fora. A canção fez muito sucesso na voz de Elis Regina.
Discos. Dois álbuns do trio fizeram um enorme sucesso quando lançados: "Passado, Presente, Futuro" (1972) e "Terra" (1973).
Sucessos. Desses álbuns saíram sucessos como: "Me Faça um Favor", "Mestre Jonas", "Azular" e "Hoje Ainda é Dia de Rock".
Separação. Em 1973, o trio de separou. Rodrix seguiu carreira solo. Sá e Guarabyra seguiram em dupla.
Mais sucessos. Mesmo com a separação, os sucessos continuaram: "Roque Santeiro", "Jesus numa Moto", "Casa no Campo", "Espanhola", "Dona" e "Ribeirão".
Regravações. Vários artistas consagrados regravaram canções do trio: Elis Regina, Roupa Nova, Milton Nascimento, Erasmo Carlos, Nara Leão, Gilberto Gil e até Belle Sebastian (banda indie pop escocesa).
Anos 2000. No início dos anos 2000, o trio se reuniu novamente.
2001. Neste ano, o trio se apresentou no Rock in Rio 3.
Ao vivo. Em 2002, para marcar o reencontro, eles lançaram o CD e DVD ao vivo "Outra Vez na Estrada" (Som Livre), com os maiores sucessos e composições inéditas.
2008. O trio começa a gravar "Amanhã", que chega somente agora às lojas.
Morte. Um mês após finalizar o CD, em maio de 2009, o músico Rodrix faleceu, em São Paulo.
Vitor Ferri - Jornalista
O álbum "Amanhã" se destaca por trazer o trio na velha e boa forma de antes. Com letras diferenciadas, melodias pegajosas e arranjos vocais bem feitos, o material traz a mesma alegria presente nos discos do início de sua carreira.
http://www.youtube.com/watch?v=6Mp8YcHxXLE&feature=player_embedded
O CD tem espaço para a viajante "Sonho Triste em Copacabana", com destaque para os vocais bem construídos. "Novo Rio" remete ao Rio de Janeiro e à origem do trio. O legal dessa canção é a batida funk que pode ser ouvida ao fundo, principalmente no refrão. A alegre "Dia do Rio" é uma das que mais fazem lembrar o trio dos anos 1970.
Já "Cidades Meninas" ficou mais parecida com a sonoridade dos anos 80 da dupla Sá Guarabyra, e faz referência às cidades com nomes de mulheres, em Minas Gerais. Até uma levada mais pop aparece no disco, na faixa "Caminho de São Tomé". Tem pique para grudar no ouvido.
As baladas não foram esquecidas. "Nós nos Amaremos", com bom piano de Rodrix, e "Amanhece um Outro Dia", sobre esperança, desempenham bem essa função.
http://www.youtube.com/watch?v=y3RLAHdOwbA&feature=player_embedded
Outro destaque do CD é "Logo eu, Saudade". É uma das mais ricas do trabalho, com bons arranjos de metais. Sá a define como uma "modinha caipira metida a besta". A faixa, que encerra o disco, funciona como uma "Casa no Campo 2" por causa dos versos: "Tudo o que eu quero na vida é um lugar pra poder me abrigar/Uma morena, um bom vinho, um pedaço de mar".
http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2010/03/610051-registro+eterno.html
Com o Pé na Estrada ( matéria do jornal O Estado de Minas)
a dupla Sá & Guarabyra começa a divulgar o inédito álbum Amanhã,
último trabalho que os três gravaram juntos
Ailton Magioli |
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sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
Sá & Guarabyra e Rodrix sozinho
O encontro do compositor cantor Guttemberg Guarabyra, revelação do FIC 67 (com colcha de retalhos "Margarida"0, com o jornalista compositor Luis Carlos Sá e com o músico compositor Zé Rodrix, resultou num dos mais importantes grupos vocais instrumentais entre o final de 1972 até há [poucos] meses o Sá-Rodrix-Guarabyra. Com 2 importantes lps na Odeon, divulgando um estilo chamado de rock-rural - advinda principalmente do belíssimo "Casa de Campo", que foi sucesso na voz de Elis Regina, o trio alcançou uma popularidade junto a uma faixa jovem urbana quase tão grande quanto à obtida pelos Secos & Molhados. Mas como aconteceu com o grupo paulista, dissenções internas levaram a extinção do conjunto com Sá & Guarabyra formando uma dupla e Zé Rodrix tentando uma carreira de solista, como possivelmente acontecerá agora com os Secos & Molhados. Uma mostra dos novos caminhos dos rapazes surgiu já há alguns meses, com os lps "Nunca" (Odeon, SMOFB 31331, maio de 74) com Sá & Guarabyra e "I Acto" ( Odeon, SMOFB 3815, abril 74) com Zé Rodrix.
Dedicado à Edir de Castro e Maria Bravo Rodrix, "I Acto" - título do espetáculo que Zé Rodrix apresentou na Guanabara ao lado de números de mágica, procurando sugerir um clima magico de envolvimento dos espectadores, é uma prova de seu bom humor e vigor criativo - do qual a notável trilha sonora que compôs para "Como Era Gostoso Meu Francês" (Brasil, 71, de Nelson Ferreira dos Santos) já havia demonstração. Aqui temos 10 novas músicas, numa das quais ("Receita de Bolo", em parceria com Tavito) desenvolve exclusivamente instrumentos. Um pôster acompanha o disco, traz além de todas as letras, uma detalhada ficha técnica - que deveria servir de exemplo a todos os que se dedicam a produção fonográfica no Brasil. A ficha chega a marcar inclusive as datas e horários de gravação das musicas (entre 24 de setembro a 12 de outubro de 1973, portanto anterior ao desmembramento do grupo). São as seguintes as faixas do lp. "Casca de Caracol", "Eu Não Quero", "Cardilac'52", "Eu Preciso de Você Pra Me Ligar", "Xamego da Nega", "Quando Você Ficar Velho", exclusivamente de Rodrix. Em parceria com Tavito, além do já citado tema instrumental "Receita de Bolo", apareceu "Coisas Pequenas", "Essas Coisas Acontecem Sempre" e "IIo Acto".
"Não há estradas/ Que eu não possa perceber/ Nem Madrugadas/ Que eu não possa atravessar". Com estes versos de extremo otimismo termina "Apreciando a Cidade", uma das melhores faixas do lp de Sá & Guarabyra. Como lembrou o crítico Luiz Carlos Azevedo (UH,24/6/74). "Nunda" faz a gente lembrar "Terra", o lp que no início do ano passado foi o último trabalho do trio. "Apreciando a Cidade" traz os arranjos de Rogerio Ruprat - cuja contribuição a renovação da MPB após o Tropicalismo não é preciso ser lembrada. Basta ter ouvidos. Como em seus trabalhos anteriores. Guarabyra & Sá buscam os temas campestres, de uma idílica visão pastoral - que embora possa ser falsa em termos de consumo urbano, obtém alguns resultados interessantes - ao menos para conscientizar o (alienado) público jovem para as coisas do Brasil.
Tanto o lp de Rodrix como o de Sá & Guarabyra representam trabalhos de transição. Mas que nos fazem aguardar com um crédito de confiança.
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Esse texto foi resgatado graças à genialidade do Projeto Aramis Millarch que recupera, digitaliza e divulga 30 anos de jornalismo cultural de Aramis Millarch, jornalista curitibano, falecido em 92.
Para quem quer conhecer mais sobre o Projeto TABLOIDE DIGITAL : http://www.millarch.org/