sexta-feira, 31 de julho de 2009

Guarabyra no Guia de Vinhos da 4 Rodas


A nova edição do Guia de Vinhos da Revista 4 Rodas, além de uma edição impecável, apresenta uma crônica do Gutemberg Guarabyra chamada "A Evolução do nosso paladar" resumindo os últimos 25 anos, desde a entrada dos importados e a consequente popularização do ( saudável) hábito de degustar um bom vinho!
Guarabyra, além de compositor, escritor, poeta, entre mil atividades é também gourmand, restauranteur e um conhecedor de vinhos.


À Votre Santé!

Clique sobre a figura para ler o texto

(Em breve a transcrição completa do artigo)

domingo, 12 de julho de 2009

Último Adeus ao Zé Rodrix


Gostaria que você informasse a todos os amigos queridos que as cinzas do Zé foram lançadas ontem dia 11 /7 às 12 horas na Baia de São Vicente da Ponte Pênsil , um lugar que ele sempre dizia pro Soneka que gostaria de morar lá. Chegou a andar comigo pela ilha Porchat, e por alguns canto de lá pra escolher um apartamento pra que quando ficasse mais velho pudesse andar pela praia e escrever somente.

O dia ontem chorou pelo Zé, choveu o tempo inteiro, sem parar um minuto sequer, mas assim acho que encerramos um ciclo, um tempo de dores, agora acho que temos como dever lembrar dele com a alegria e deixar que ele se expanda, se espalhe por todo o universo, pelas águas da sabedoria, que ele banhe os continentes, que ele , como a água, infiltre os corações com a sua ética inabalável, seu código moral estrito, sua memória prodigiosa e seu amor por todos os amigos. Ele agora pertence ao mundo que tanto queria conhecer, estar pelos mares, vai poder estar em todos os lugares como era a impressão que se tinha dele, um homem onipresente pela sua grandeza de espirito.Vá em paz meu amor, você já não nos pertence, você agora faz parte do universo.



por Júlia Rodrix




Para reunir todos textos do Zé Rodrix, todas a memórias, letras, divulgar as canções, vídeos, fotos da carreira e da vida do Zé Rodrix estamos construindo

o blog ZÉ RODRIX.

Assim, simples como o Zé e cheio de informação para os fãs e amigos matarem as saudades!

http://zerodrix.blogspot.com

sexta-feira, 10 de julho de 2009

De volta à estrada - matéria do Estado de Minas



Sá & Guarabyra retomam o trabalho da dupla depois da morte de Zé Rodrix. Luiz Carlos Sá, hoje morador de Belo Horizonte, faz balanço da contribuição do trio para a música brasileira
Ailton Magioli


foto: Beto Magalhães


Luiz Carlos Sá, na Praça Nova York, no Bairro Sion, lugar que escolheu para morar e que, para ele, lembra Barcelona


A decisão, tomada em pleno velório do amigo e parceiro Zé Rodrix, morto de infarto do miocárdio, em 21 de maio, aos 61 anos, foi imediata. "Quando todos se mostravam preocupados com o choque e abatimento que havíamos sofrido, eu e o Gute (Guttemberg Guarabyra, também de 61 anos) descemos para conversar e chegamos à conclusão de que iríamos voltar com tudo. Afinal, seria desrespeito à memória do Zé e à própria carreira, que não tem vontade e perspectiva de encerrar", descreve Luiz Carlos Sá, de 63 anos, o terceiro personagem de um capítulo importante da música vocal brasileira, que teve início em 1971, no apartamento da Rua Alberto de Campos, 111, de Ipanema, no Rio, onde nasceu o trio Sá, Rodrix e Guarabyra.

Memória viva da música popular desde que transformou o denominado rock rural em verbete obrigatório do cancioneiro brasileiro, o trio, que durou 12 anos, em dois momentos, teve a carreira interrompida em 1974, com a saída de Zé Rodrix para seguir trajetória solo, voltando à estrada novamente em 2001, até sofrer “desagregação forçada”, como recorda Sá, com a morte repentina de Zé. Em meio a tudo, no entanto, há 26 anos sobrevive a dupla Sá & Guarabyra, que já fez cinco shows depois da morte do amigo e parceiro. A reação, de certa forma, foi rápida, como reconhece Luiz Carlos Sá, mas a emoção de cantar sem o amigo Zé Rodrix, depois de oito anos de retorno do trio, tem sido difícil de domar. “Os primeiros shows foram dramáticos, principalmente o que fizemos em Santo André (SP), onde montamos um power point com fotografias dele”, recorda Sá, contabilizando pelo menos 1,2 mil pessoas na apresentação, muitas das quais chorando a ausência de Zé.

“Não dá para escapar da emoção, às vezes é preciso exorcizá-la.” Sá explica que, embora a dupla tenha feito shows inclusive durante o período da retomada do trio, a convivência entre os três era intensa. "O Zé agregava algo que transformava a identidade da gente", diz, visivelmente emocionado, Luiz Carlos Sá. Para ele, o som do trio era muito mais pesado do que o da dupla. "A partir de agora, Sá & Guarabyra serão diferentes”, anuncia ele. Nos últimos tempos, de acordo com Sá, os contatos do trio – incluindo as composições – eram feitos mais via internet, principalmente por meio do skype, já que cada um morava em cidade diferente.

"Toda e qualquer decisão e conclusão, no entanto, eram tiradas juntos: o que fazer, o que não fazer”, ressalta Sá. Ele garante que não será a morte de Zé que vai tirá-lo do convívio deles. “A energia que o Zé deixou vai ficar para sempre conosco", afirma. Apesar de ele e o amigo Guarabyra ainda não terem voltado a compor, em breve vão retomar a parceria em dupla. "Depois do CD inédito do trio (Amanhã, com lançamento do selo Roupa Nova Music, a ser agendado ainda neste semestre), imediatamente vamos gravar o da dupla", antecipa Sá. Para ele, o público tem reagido com emoção redobrada nos shows. “Parece que querem empurrar a gente. É como se dissessem para a gente não desanimar, não parar.”


Nova casa

A escolha da Praça Nova York, do Bairro Sion, para o encontro com a reportagem, foi do próprio Luiz Carlos Sá, que, há três anos, trocou o Rio por Belo Horizonte. A duas quadras dali, ele e a mulher, Verlaine, curtem o filho mais novo do casal, que, curiosamente, tem a mesma idade da primeira neta do artista, de um ano e meio. Pai de mais quatro filhos de outros casamentos, Sá diz que os amigos se assustaram quando ele decidiu largar a cidade de origem. “Por que não?”, reagiu. “Tenho 50 anos de praia, além de adorar ser turista no Rio”, justificou em um dos poucos momentos de descontração. Como gosta de salientar, toda metrópole tem virtudes e defeitos, mas em Belo Horizonte ele encontrou paixões como a praça do Sion, que o remete ao Parque Güell, da Espanha, onde esteve ao lado da mulher, conferindo a beleza da arte de Antoni Gaudí. Os muros da praça belo-horizontina, decorados com cacos coloridos de cerâmica e vidro, remetem aos mosaicos de cores feitos pelo mestre espanhol, no famoso parque de Barcelona.


Raízes de um estilo

Foi a partir de uma brincadeira com Guarabyra, residente em São Paulo, que teria arrumado uma namorada em Ubatuba, que Zé Rodrix fez a letra da canção, de autoria do trio, que batiza o disco inédito de Sá, Rodrix & Guarabyra. “Amanhã, ela disse que ia chegar, amanhã/ Não chegou e avisou que só vinha na outra manhã/ Esperei, veio o sol, veio a tarde e depois/ Quando a noite chegou me deitei/ Não dormi, nem sonhei, esperei o amanhã”, dizem os versos, que deixaram a dupla assustada diante do aspecto premonitório da letra.

“O Zé gastou a pilha. Ele era um dínamo musical, vivia fazendo alguma coisa. Eu, às vezes, me cansava só de ficar do lado dele”, conta, sem culpa, Luiz Carlos Sá. Ele reconhece que o amigo puxava a dupla, que é meio paradona. “Extremamente musical, culto e polêmico, o Zé às vezes falava até o que não devia. Mas era o jeito dele. Nada dura tanto tempo por acaso. Alguma liga nos unia neste tempo”, acredita ele, salientando que, apesar de um estar sempre metendo o dedo no trabalho do outro (todos três faziam letra e música, simultaneamente), primou-se sempre pelo consenso. A volta do trio foi tão produtiva, revela Sá, que, além das 11 canções gravadas no disco, ficaram pelo menos mais 10 inéditas.

Oriundos de grupos históricos, Guarabyra (Manifesto) e Zé Rodrix (Momento 4, depois do Som Imaginário), ao lado de Sá, fizeram história ao criar uma marca no vocal brasileiro. “Não sei se o rock rural é uma marca ou estigma, já que às vezes as pessoas fazem uma mistura que não tem nada a ver com a gente”, detecta o artista. Conforme Sá, a ideia original foi juntar ritmos do interior brasileiro à influência urbano-roqueira dos três, que hoje encontra ecos em grupos como Vanguart e Roça Nova, de São Paulo. “Até pelas características, somos o primeiro trio, e depois dupla, não sertanejo de que se tem notícia”, conclui Luiz Carlos Sá.


DISCOGRAFIA

SÁ, RODRIX & GUARABYRA

Passado, presente, futuro, 1972
Terra, 1973
Sá, Rodrix & Guarabyra, 1983
O rock rural de Sá, Rodrix & Guarabyra, 1988
Portfólio, 1994
2 em 1 – Sá, Rodrix & Guarabyra, 1996
Outra vez na estrada – Ao vivo, 2001

SÁ & GUARABYRA

Nunca, 1974
Cadernos de viagem, 1975
Pirão de peixe com pimenta, 1977
Quatro, 1979
10 anos juntos – Ao vivo, 1983
O paraíso agora, 1984
Harmonia, 1985
Cartas, canções e palavras, 1987
15 anos juntos, 1988
Vamos por aí, 1990
Sucessos de Sá & Guarabyra, 1991
Sá & Guarabyra, 1993
O melhor de Sá & Guarabyra, 1994
Sá & Guarabyra – Série Aplauso, 1996
Rio-Bahia, 1997
O essencial de Sá & Guarabyra, 1999
Sá & Guarabyra e Orquestra Sinfônica Americana – Ao vivo, 1999
Sucessos em dobro – Sá & Guarabyra, 2000

(*) Inclui coletâneas e exclui trilhas
de novelas e solos de cada um, à exceção
de Luiz Carlos Sá, que não gravou
um disco sozinho.


Estado de Minas - dia 10/7/ 2009

Agradecimento à Maria Valéria Bethonico, pela colaboração!

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Os Garotos de Ipanema - Luiz Carlos Sá


Leblon, primavera de 71. Tiro os quadros da parede, junto meus discos, guardo meus livros. Meu primeiro casamento estava acabado, eu estava sendo despejado e ainda por cima passava por uma dolorosíssima crise de cálculos renais. Tinha pensado em ir pra casa de Torquato Neto e Ana, mas minha ex-mulher se adiantara e já estava lá. Eu ficara sem ter pra onde ir a não ser a casa de papai e mamãe, o que me parecia o último fracasso. Mary, a empregada, sempre descolava um almoço, que mais tarde vim a descobrir ser saído das mãos da empregada do vizinho. Isso explicava também os “milagres” que andavam acontecendo lá em casa: eram semanas de um mesmo e misteriosamente duradouro quilo de arroz e feijão até que eu conseguisse algum trocado, que conseguia nas mágicas mãos de Mary a mesma longevidade misteriosa dos anteriores!

Na véspera, Torquato me emprestara uma graninha pra gasolina da mudança. Eu tinha como último patrimônio um jipinho Gurgel, que me recusava a vender, e toda minha mudança cabia nele.
Naqueles tempos em que eu andava meio pirado - e duro - minha única diversão era caminhar pela praia, do Leblon ao Arpoador, pensando na vida e tentando manter minha sanidade em dia. Mas naquela exata manhã resolvi pegar o Gurgel e sair dando uma bola por Ipanema. Quando passava ali pela Praça da Paz, ouvi me chamarem. Olhei pra calçada e dei de cara com o Guarabyra. O Guarabyra!

— Você tá indo pra onde? – perguntou ele, como se percebesse a confusão dos meus pensamentos.
Falei das minhas desgraças e ele, como sempre, riu muito delas. A gente se conhecia desde 66, mas já havia algum tempo que não nos encontrávamos. Fomos andando pela praça e bastou um chopinho rápido pra velha amizade se colocar em dia.
— Escuta, Sá: você se lembra do Zé Trajano, jornalista, irmão da Maria, cantora?
— Claro.
— Pois é. Eu estou dividindo um apartamento com ele, a mulher dele e um outro jornalista, o Toninho Neves. Tem um quarto pro casal, outro pro Toninho e outro pra mim. Leva uma cama pro meu quarto e vai se virando por lá até as coisas mudarem.

Não tive dúvidas em aceitar a oferta. A voltar pra casa dos pais, na Tijuca, distante do meio musical, era evidente que eu preferia ficar no meio das coisas mais interessantes que com certeza rolariam nesse apartamento. No dia seguinte, bem cedo, despedi-me de Mary, desolado, mas ao mesmo tempo animado pela perspectiva de um recomeço. Pra dizer a verdade, parti meio que com medo: depois de alguns meses saindo de casa apenas para trabalhar - eu era programador da rádio JB e editava um caderno semanal de música no Correio da Manhã - não me achava muito capaz de ser boa companhia pra ninguém. Eu dissera isso pro Guarabyra, mas ele insistira no convite, dizendo que todo mundo acharia ótima minha mudança pra lá... Minha “mudança”! Caixotes de livros e discos, malas de roupas e uma cama incrivelmente estreita, emprestada por minha ex-cunhada. Uma cama à prova de sexo, em cima da qual era impossível rolar alguma coisa além de um sono precário e meio de lado.

E lá me fui, Gurgel lotado e sem capota, rumo à Rua Alberto de Campos 111, apto. 1, um térreo antigo e espaçoso no miolo de uma Ipanema que naquela época ainda era um paraíso de malas-belas-artes.
Guarabyra e Toninho estavam na janela quando cheguei e tiveram ataques de risos com a finura da cama e a minha dificuldade em carregar a tralha mal arrumada:
— Cara, o que é que você faz com essa cama?
— Trouxe os pregos?
— Se você precisar dormir de bruços, pode usar a minha!
Tive que começar sozinho a colocar as coisas na casa, já que eles não conseguiam ficar em pé de tanto rir... Afinal, a cama foi entronizada no quarto do Guarabyra como uma imagem sagrada.


A vida no nosso esconderijo corria mais ou menos macia. Festas sempre que possível e tudo sempre que impossível. Guarabyra tinha um fusca e trabalhava na Globo, o que queria dizer que transporte e alimentação não eram problema. Eu passara a depender exclusivamente dele e do Toninho, já que resolvera perseguir a ilusória carreira musical e largara tanto a rádio quanto o jornal, começando um trabalho musical com meu amigo Zé Rodrix, que acabara de estourar com “Casa no Campo”. Pra mim e pro Zé o apê da Alberto de Campos revelou-se um lugar ideal pra ensaiar e compor. Com o tempo, a freqüência dos amigos aumentou, acho que graças a três coisas: a localização estratégica, entre a Farme de Amoedo e a então Montenegro, hoje Vinícius de Moraes, no coração do bochincho e ao mesmo tempo fora dele; nossa perene boa vontade em receber todos os tipos de intelectuais, aproveitadores, grandes papos, tietes, cineastas de van- e reta-guarda, artistas plásticos e metálicos, jovens atrizes e loucos de todo o gênero que grassavam no bairro por essa época; e finalmente pelo simples fato de que estávamos invariavelmente ou tocando e cantando nossas músicas ou ouvindo Leon Russel à toda altura que duas fantásticas caixas de concreto Wharfdale com falantes de 18 polegadas podiam agüentar. E - me acredite - elas agüentavam tudo! Aliás, nem mesmo o Trajano sabia como aquelas caixas tinham ido parar ali. Elas simplesmente faziam parte da locação.


Guarabyra era produtor artístico do Festival Internacional, mas apoiou o protesto dos compositores classificados da parte nacional contra a maligna censura que regia manu militari a MPB da época. Ficou em situação crítica e demitiu-se, o que deixou nossa renda doméstica seriamente enfraquecida e sem o principal sustentáculo da esbórnia diária. Toninho Neves assumiu solidária e imediatamente a condição de chefe da casa, uma vez que Trajano e sua mulher tinham tido o bom senso de mudar-se pra longe dali. Toninho saía cedo pro jornal e deixava o “das compras” com a Marlene, nossa fiel funcionária. Apesar da dureza, tínhamos dois carros parados na porta: o fusca do Guarabyra, que dias mais tarde eu destruiria numa esquina tijucana, e o meu bugue Gurgel, única paixão e orgulho material que me havia sobrado além de uma velha craviola de 12 cordas e da esbagaçada guitarra Sonic Giannini. O Gurgel! Branco, conversível, com uma frente de meter medo e um styling especial, ele tinha suspensão rebaixada, pneus largos e motor 1500. Era um monstrinho simpático que sempre atraía polícia pra cima da gente. Com a nossa cara, em 71, isso já era três quartos de fria.
Nossa casa tinha muito de happy hour. Todo fim de tarde pintava algum desgarrado por lá. Por exemplo, Júlio Hungria, crítico (ele recusava essa qualificação) do JB. Volta e meia lá chegava o Júlio, depois de um dia de redação, com cara de redação, roupa de redação e fisionomia redacional. Sentávamos eu, o Rodrix e o Guarabyra com ele e Máriozinho Rocha, outro habituê do nosso muquifo–chic, e nos enleávamos em música. Eles nos ouviam cantar nossas primeiras parcerias e falavam, entusiasmados, que éramos um trio e assim devíamos seguir. No começo da noite, Toninho trazia as últimas do dia e logo depois chegavam nossas meninas-candidatas-a-atriz: Leila Cravo, Bebel, Olguinha e Denise Dumont, falando dos últimos shows, de peças infantis que faziam e dos problemas com os diretores, começando suas carreiras com aquele brilho de I wanna be a star nos olhos. Era gostoso vê-las falar com incessante interesse nas mais abandonadas minúcias do meio teatral. A conversa subia, a temperatura também. Não demorava muito até que estivéssemos tocando e cantando a mil ou que as Wharfdale de 18 polegadas começassem a se arrepender de terem sido fabricadas e obrigadas a segurar o Delta Lady de Leon Russel no último volume.

Mas no meio dessa felicidade toda, num belo dia, Ricardo Mattos - flautista e saxofonista do Grupo Faia - que namorava nossa inocente vizinha e usava nosso apê para suas ocultas tertúlias amorosas - chegou esbaforido:
- A mãe dela descobriu nosso namoro! E chamou o Nelson Duarte!
Nelson Duarte era um meganha televisivo idolatrado pela classe média “redentora” que se dedicava a invadir os lares alheios atrás de nós, jovens metidos com drogas, bebidas e som alto, e cortar nossas bastas cabeleiras, em troca de “pequenas doações” para o fundo sem fundo que segundo as más línguas ele teria criado em prol de si mesmo. Aparecia em programas de TV como um defensor de Deus, Pátria, Família e o que quer que fosse feito em nome disso naqueles áridos tempos de Ferrocracia.
Em pânico, compramos imediatamente umas três dúzias de cervejas e instalamos um Comitê de Resistência para decidir quão pouco tempo teríamos pra sumir dali. Chegamos à sábia conclusão de que deveríamos voltar à casa de meus pais na Tijuca, onde gozaríamos de um duplo álibi: casa dos pais e Tijuca... O único problema é que teríamos os três de coabitar no meu quarto de solteiro. Mas isso ainda era melhor que ir em cana. E lá fomos, eu, Toninho e Guarabyra, morar na Tijuca, onde à noite dávamos boas gargalhadas olhando pra esquina onde eu tinha acabado com o Fusquinha. Quando, quarenta e oito horas depois, Nelson Duarte finalmente chegou à Alberto de Campos, só restavam as caixas Wharfdale e aquela minha cama fininha. As caixas - que nem o proprietário do apê sabia de quem eram - só não foram levadas por nós porque eram pesadas demais para uma fuga rápida. Mas minha cama fininha ficou lá e os canas ficou lá devem ter boas risadas olhando pra ela.
Diz o ditado: Depois da bonança sempre vem a tempestade. Só que a gente não estava nem aí pra tempestade. Vivíamos os maravilhosos, atordoantes, imprevisíveis e deliciosos anos setenta...


"Vida de Artista" é coluna mensal de Luiz Carlos Sá publicada mensalmente na Revista Backstage

http://luizcarlossa.blogspot.com/2009/07/os-garotos-de-ipanema.html